Relato da Experiência Profissional

Caros colegas

Margareth Vasata
APOG de 1998 a 2018

Compartilho com vocês minha experiência no serviço público estadual. Sou arquiteta e urbanista (1979) e engenheira civil (1982), ambas pela UFRGS. Fiz especialização em Formação Ambiental – FLACAM/AR (1995) e mestrado em Planejamento Urbano e Regional – PROPUR/UFRGS (2003), além de outros cursos de curta duração. Trabalhei 38 anos e 6 meses como servidora pública do estado do RS, em áreas de planejamento.

Ingressei no Estado em fevereiro de 1980, como técnico em projetos e obras, na Superintendência de Desenvolvimento Urbano e Administração Municipal – SURBAM, vinculada à Secretaria do Interior, Desenvolvimento Regional e Obras Públicas – SDO. A Superintendência contava com um quadro qualificado de arquitetos e profissionais de outras áreas. Desempenhou um papel importante no assessoramento às administrações municipais, tanto no que se refere às suas estruturas administrativas como de planejamento. Minha área de atuação era apoio à elaboração de Planos Diretores urbanos e municipais, Códigos de Obras, projetos viários e de urbanização. O assessoramento à elaboração dos Planos Diretores compreendia desde levantamentos iniciais sobre o uso e ocupação do solo, proposição de zoneamento, índices de ocupação, etc., até a defesa do projeto de lei nas câmaras municipais. Em 1979 havia sido promulgada a Lei 6766, primeira lei no Brasil a estabelecer as diretrizes para o parcelamento do solo urbano. A SURBAM teve papel fundamental em difundir a lei por meio de cursos de capacitação e apoio aos municípios do Estado na elaboração de suas legislações municipais. Participei também de grupo técnico para propor alternativas de baixo custo de esgotamento sanitário, com participação da CORSAN, FEPAM e METROPLAN, entre outros trabalhos. Foi uma época importante de aprendizado tanto do ponto de vista técnico, como de envolvimento com comunidades, equipes municipais, técnicos de outras áreas do estado. Também me permitiu conhecer vários municípios gaúchos, participar de reuniões com as equipes das prefeituras, com a comunidade e com os legislativos municipais.

Permaneci na SURBAM/SDO até outubro de 1988, quando essa estava em processo de extinção e suas atribuições foram para o Departamento de Planejamento Regional da Secretaria. Fui cedida para a Fundação de Planejamento Metropolitano e Regional, a convite de um colega engenheiro, servidor da Fundação. Com um quadro técnico multisetorial a METROPLAN desempenhava, à época, papel significativo junto aos municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre. Atuei nos temas de recursos hídricos e saneamento, tendo participado dos Comitês de Bacias Hidrográficas, como técnica e como secretária executiva do Comitê da Bacia do Rio Gravataí. Coordenei trabalhos técnicos sobre essa bacia hidrográfica nos temas de avaliação da qualidade das águas; extrações minerais; jazidas carboníferas e aspectos ambientais. Inesquecível o curso que fiz em 1989, promovido pela extinta SUDESUL e DMA (atual FEPAM), de um mês, em que foram trazidos os melhores profissionais, atuando na área ambiental no Brasil, tanto da área jurídica quanto técnica. Foi a primeira vez que ouvi falar de EIA/RIMA e os diferentes aspectos envolvidos na legislação sobre o tema ambiental. Os colegas eram de diferentes instituições do Estado, CEEE, CRM, FZB, DMA, CORSAN, FEPAGRO, SEDUC, entre outros, e cada participante relatava sua atividade e relação com a área ambiental. Uma experiência muito significativa que abriu minha compreensão sobre o tema e os trabalhos desenvolvidos por outras instituições, além de ter conhecido técnicos qualificados. Ainda na METROPLAN, no programa Pró-Guaíba, financiado pelo BID, participei do grupo técnico do projeto sob responsabilidade da Fundação e fui responsável pela coordenação do volume Mapas do Plano diretor de controle e administração ambiental da bacia hidrográfica do Guaíba, quando ainda não se dispunha plenamente de toda tecnologia SIG nos órgãos estaduais. Também participei de grupos de trabalho sobre a RMPA em temas como: situação ambiental; diagnóstico sobre abastecimento de água, esgotamento sanitário e recursos hídricos; Consulta nacional sobre Gestão do Saneamento e do Meio ambiente urbano/RMPA. Como representante da METROPLAN fiz parte do Diagnóstico do setor saneamento no RS e do Caderno técnico Infraestrutura – Saneamento, do RS 2010, coordenado pela Secretaria do Planejamento do Estado. Com a ampliação da atuação da Fundação para além da RMPA, atuei na assessoria da Diretoria de Planejamento Regional onde, além do envolvimento com os diversos assuntos da Diretoria, tive oportunidade de coordenar o trabalho Informações físico-territoriais, demográficas e socioeconômicas da Aglomeração Urbana do Nordeste/RS e ser responsável técnica pelo trabalho Estratégias para a gestão ambiental em áreas de periferia urbana na microbacia do Arroio Feijó. Foi uma experiência enriquecedora tecnicamente e também importante por ter-me propiciado conhecer os desafios e potencialidades da administração indireta.

Em 29 de dezembro de 1998, assumi o cargo de Técnico em Planejamento (atual Analista de Planejamento, Orçamento e Gestão) na então Secretaria de Coordenação e Planejamento. Inicialmente alocada no Pró-Guaíba, solicitei minha saída e fui trabalhar no projeto Linha Rápida, financiado pelo BNDES. O projeto previa a implantação de corredores de ônibus em 5 municípios da RMPA (Porto Alegre, Alvorada, Viamão, Cachoeirinha e Gravataí). Com uma visão integrada de transporte público o projeto propunha a integração do transporte metropolitano, tanto física como tarifária. O projeto teve inúmeras dificuldades de implementação, entre elas, a referente às desapropriações, que dependiam das prefeituras municipais. Os corredores propostos atravessavam as avenidas principais dos municípios, atingindo propriedades urbanas ocupadas. Fui coordenadora da Unidade de Projetos do Projeto Linha Rápida onde desenvolvemos os Termos de Referência e as Especificações Técnicas para contratação dos projetos executivos dos corredores, das paradas de ônibus e das obras de arte necessárias ao longo dos corredores. Também foi necessária a articulação com os provedores de energia – CEEE, telecomunicações – CRT, saneamento – DMAE e CORSAN, gás – SULGÁS, além da TRENSURB para adequação aos projetos desses órgãos e vice- versa. Todos os projetos licitados foram concluídos, tendo a Unidade sido responsável pela fiscalização dos produtos contratados. Também foram licitadas e concluídas, sob coordenação da Unidade as obras da ponte sobre o Arroio Feijó e o viaduto de acesso à Cachoeirinha. O corredor da Baltazar de Oliveira Garcia foi licitado e executado posteriormente. Sem dúvida, foi uma experiência importante, que me permitiu conhecer as grandes dificuldades existentes para executar projetos públicos, mesmo tendo recursos disponíveis de financiamento.

O Linha Rápida era vinculado ao Departamento de Projetos Especiais (atual DECAP). Com a mudança de governo em 2003 o projeto foi para a METROPLAN. Fui convidada para assumir a diretoria-adjunta do Departamento, tendo exercido o cargo de novembro de 2003 a novembro de 2005. À época, o Departamento dedicou especial atenção à captação de recursos externos. Foram preparados o PRODETUR – Programa de Desenvolvimento do Turismo e o projeto RS Desigualdades – Redução das Desigualdades Regionais. O PRODETUR tinha como tomador de recursos o Governo Federal, por meio do Ministério do Turismo. No RS Desigualdades, tendo em vista o Estado não atender as condições exigidas pela STN, o tomador do financiamento seria o Banrisul. O projeto tinha como objetivo apoiar políticas de desenvolvimento regional por meio de financiamentos aos produtores e empreendedores locais a juros reduzidos. O agente financiador – Banco Mundial – apoiou a preparação do projeto e ofereceu a possibilidade, como agência implementadora, de captação de recursos não-reembolsáveis junto ao GEF – Global Environment Facility. Fui designada para coordenar a preparação do RS Biodiversidade, para a qual foram destinados US$ 350 mil, tendo sido exonerada da diretoria-adjunta. O projeto propunha ações para conservação, manejo e estímulo à biodiversidade, incentivando a produção sustentável no meio rural e desenvolvendo instrumentos para a gestão ambiental. A preparação desenvolveu-se de 2005 a 2007 e envolveu FEPAM, FZB e EMATER. A UPP – Unidade de Preparação do Projeto contou com coordenadores de cada órgão, além de consultores contratados e técnicos da Secretaria. O RS Desigualdades, apesar da preparação ter sido concluída, não foi viabilizado devido à inexigibilidade do estado, o que trouxe inúmeras dificuldades para a doação já que era uma oferta “casada”. Houve articulações com o PNUMA para que o projeto fosse assumido por eles. No entanto, teríamos que fazer um esforço enorme para alterar o projeto de acordo com as normativas do Programa. Após idas e vindas finalmente o BIRD concordou em seguir sendo a agência implementadora da execução, mesmo o RS-Desigualdades não tendo sido aprovado pelo Governo Federal. A preparação viabilizou a doação de US$ 5 milhões ao estado (Acordo de Doação assinado em 25 de maio de 2010), tendo a implementação sido coordenada pela SEMA, no período de 2011 a 2016, com 100% dos recursos aplicados e os resultados obtidos. Costumo dizer que a captação de recursos do GEF é um desafio muito grande, tendo em vista as exigências do GEF, e que quem conseguiu a doação pode obter qualquer financiamento. Foi um processo enriquecedor e desafiador.

À convite retornei à diretoria-adjunta do DECAP em setembro de 2008. As operações de captação realizadas durante o período 2007 – 2010 restringiram-se àquelas relacionadas à sustentabilidade fiscal, visando a melhorar o desempenho das finanças públicas, modernizar as gestões fiscais e oferecer auxílio emergencial aos entes subnacionais, para as quais o Governo Federal concedeu excepcionalidade aos estados sem capacidade de pagamento. Estes financiamentos foram coordenados pela SEFAZ. No DECAP o principal tema foram as PPPs. Em outros estados já estavam sendo feitas licitações e executados contratos de PPP. Foram publicados avisos de manifestação de interesse da iniciativa privada para apresentar projetos nas áreas de saneamento, sistema viário, irrigação e prédios públicos. Os projetos propostos apresentaram inúmeros problemas na sua formulação e somente um, da ERS 010, chegou ao estágio de licitação.

Com a alteração no Governo em janeiro de 2011, o tema das PPPs não foi priorizado. O novo governo já havia feito contato com o BIRD, antes da posse, e apresentado uma carta-consulta contendo solicitação de recursos para investimento em todas as áreas do orçamento. Foi necessário realizar um esforço grande para identificar junto aos órgãos do Estado perfis de projeto com factibilidade de execução, limitando o volume de recursos à capacidade de financiamento do Estado. O DECAP não teve indicação de diretor durante os 6 primeiros meses. Como diretora-adjunta coordenei a elaboração de nova carta-consulta, no valor de US$ 480 milhões, e após manifestação favorável da COFIEX – foi iniciado o processo de preparação do PROREDES/BIRD, com apoio do Banco. Foi o maior financiamento feito pelo Estado até aquela data, com aplicação de recursos em investimentos de projetos multisetoriais. Já havia sido feito empréstimo de US$ 1 bi, que foi utilizado para redução da dívida do Estado, isto é, não houve entrada de recursos que exigissem estruturar projetos, licitar, executar, etc.

Em julho de 2011, convidada e convencida pelo inesquecível colega Rogério Fialho (in memoriam), que havia assumido a Diretoria-Geral da Secretaria, assumi oficialmente como diretora do DECAP. Em paralelo ao projeto BIRD encaminhamos solicitação ao BNDES para financiamento de R$ 1, 085 bilhão. O PROREDES/BNDES complementava recursos de projetos apoiados com recurso BIRD, além de incluir outras áreas. Importante destacar a experiência adquirida pela equipe do DECAP no gerenciamento da execução de projetos nas mais diversas áreas (9 executores no projeto BIRD e 11 no projeto BNDES). Trabalho árduo, de muitos anos de dedicação e aprendizado da equipe do DECAP.

Em paralelo trabalhou-se na proposta de projeto de lei, para adequação da legislação estadual de PPPs à federal. A legislação do RS, de janeiro de 2005, continha artigos que não atendiam à legislação nacional, aprovada um pouco antes – dezembro de 2004. Coordenei grupo técnico com a participação de técnicos da nossa Secretaria, PGE, SEFAZ e Casa Civil. Tivemos oportunidade de trazer (contratado pelo BIRD) um excelente consultor para capacitação da equipe envolvida e concluímos o PL. Posteriormente, outras adequações foram necessárias tendo em vista alterações na legislação federal.

O financiamento externo demanda um processo longo e complexo, desde a elaboração da carta-consulta (no caso de projetos multisetoriais o desafio é maior porque é importante que os projetos envolvidos contribuam para um mesmo objetivo geral), passando por GTEC/SAIN, recomendação COFIEX autorizando a preparação do projeto e exame dos limites de endividamento e da capacidade de pagamento pela STN. Com as aprovações inicia-se o trabalho com participação e acompanhamento sistemático do agente financiador: identificação; preparação; avaliação pelo agente financiador da capacidade institucional do tomador e dos riscos para a execução; aprovação pelo agente financiador e mutuário do projeto preparado; negociação do contrato com o agente financiador e o garantidor; encaminhamento e acompanhamento das manifestações do BACEN, SADIPEM, PGFN, Secretário do Tesouro Nacional, Presidência da República e Senado; aprovação pelo agente financiador da minuta de contrato; assinatura do contrato; e cumprimento das cláusulas de efetividade. O DECAP atuou como coordenador da Unidade de Preparação do Projeto – UPP. Cumpridas as cláusulas de efetividade dá-se início à fase de implementação. O DECAP assumiu também o papel de Unidade de Gerenciamento do Projeto – UGP, conforme previsto no contrato, ficando ao seu encargo a equipe de técnicos para acompanhar, apoiar e assessorar os órgãos executores, a Comissão Especial de Licitações, a elaboração de solicitações de desembolso, a contabilidade e a prestação de contas, o acompanhamento da execução, a elaboração das avaliações social e ambiental, de relatórios de monitoramento e de cumprimento das metas…

O financiamento interno, caso do BNDES, tem um processo de tramitação mais simples, se comparado ao externo. Também exige encaminhamento de Consulta Prévia descrevendo os projetos a serem apoiados e os recursos solicitados. O projeto deve ser enquadrado nas políticas do Banco e o Estado tem que comprovar capacidade de pagamento. São exigidos também os relatórios de monitoramento (RED) e para as alterações no projeto o encaminhamento de Identificação de Intervenções / Solicitação de Autorização (II/SA), a prestação de contas, as solicitações de desembolsos, etc. No entanto, o Banco não dispõe de equipe multidisciplinar com especialistas nas áreas financiadas, não são exigidas avaliações social e ambiental, entre outras coisas. Por exigência contratual foi criado o NEGEP – Núcleo Especial para Gestão do Projeto. Composto por representantes de todos os órgãos executores, mensalmente era realizada reunião de acompanhamento do andamento dos projetos. Mostrou-se um instrumento importante de gestão, tanto para o monitoramento, como para troca de experiências e dúvidas entre os participantes.

Os financiamentos contribuíram com melhorias em várias áreas da administração pública estadual. i) BIRD: nos processos de compras e contratos da CELIC, na digitalização e sistematização dos processos do IPE, na aprovação de lei instituindo a gestão de ativos públicos, na implantação de sistemas de gestão de rodovias, de avaliação da aprendizagem, de avaliação de impacto dos serviços de extensão produtiva, de regularização ambiental, na ampliação do inventário de ativos, na estruturação do IEDE, estruturação do programa de PPPs, na recuperação e manutenção de rodovias, na reforma e manutenção de escolas, nos convênios com APLs, Núcleos de extensão produtiva e tripla hélice; ii) BNDES: na qualificação da segurança pública, na modernização do IGP, ampliação de vagas prisionais, modernização da Polícia Civil, aumento de capital do BADESUL, regularização urbanística e fundiária, fortalecimento da agricultura familiar, modernização da defesa agropecuária e do PEEAB, pavimentação de acessos municipais, apoio aos parques tecnológicos e qualificação de áreas e distritos industriais.

O papel do DECAP foi fundamental no gerenciamento dos contratos com os financiadores, no sentido de apoiar de todas as formas os executores e garantir a execução das ações previstas e o atingimento dos objetivos do projeto. A elaboração de termos de referência para contratação de consultoria e serviços técnicos e memórias de cálculo exigiu apoio constante, assim como liberações, empenhos, pagamentos. Foi desenvolvido um sistema “caseiro” para controle dos pagamentos que foi reconhecido pelo BIRD e utilizado para alimentar os relatórios financeiros. Acredito que a atuação do Departamento contribuiu grandemente para o reconhecimento do papel dos APOGs, por parte da coordenação de governo, da JUNCOF, da SEFAZ , da PGE e dos executores e para a implantação de melhorias na carreira, obtidas em 2014.

Foi realmente uma experiência rica e desafiadora. Fiquei profissionalmente satisfeita em ter podido contribuir com os resultados alcançados e grata e orgulhosa da excelente equipe do DECAP pelo comprometimento com nosso trabalho. Entre as muitas coisas que gostava de dizer uma era que nós, servidores públicos, que somos pagos por toda população, devemos fazer todo o possível para que as coisas aconteçam. Outra, é que gostava de deitar minha cabeça no travesseiro e pensar que tinha feito tudo que podia.

Foram quase 40 anos de serviço público de muito aprendizado e, espero, também ter transmitido muita coisa do que aprendi aos colegas que dividiram comigo esse trabalho. Considero muito importante passar, senão todo, que é impossível, parte do conhecimento acumulado ao longo dos anos, para os que nos sucedem. Espero ter conseguido.

Aposentei-me em agosto de 2018. Nem parece, lá se vão mais de 4 anos. Mas, como escreveu a colega Márcia, aposentadoria não significa ficar parado. Assim, estamos trabalhando na estruturação de um curso sobre captação de recursos internacionais.

Um grande abraço e sucesso a todos.

Deixe um comentário