Trabalhos desenvolvidos por colegas

Carmen Juçara da Silva Nunes
APOG desde 2006

Olá! Sou Carmen Juçara da Silva Nunes, mas gosto mais de Carmen Nunes. Nasci lá atrás, em 1967, em Canela. Morei até os 18 anos bem pertinho do Parque do Caracol. Quem conhece aquelas bandas sabe como aquilo é lindo. Minha família ainda mora lá, então sempre volto.

Fiz Magistério e Técnico Auxiliar de Administração de Empresas no então segundo grau. Quando terminei, não sabia bem o que fazer da vida. Meu irmão ouviu na rádio Guaíba que as inscrições do vestibular da UFRGS estavam abertas, aí resolvi que era isso que eu ia fazer. Tomei o ônibus e me aventurei em Porto Alegre. Na época, a gente se inscrevia em duas opções de curso; a minha primeira foi Bacharelado em Letras e, a segunda, Medicina Veterinária. Olha o quanto a criatura entendia do que estava fazendo… Fiz Letras, com habilitação em tradução do inglês. Foi bem difícil. Saí de Canela com inglês de escola, em que cada ano revisávamos o verbo to be, para aulas direto em inglês… Atrasei o curso um ano para estudar inglês intensivamente, aí retomei as disciplinas de língua e deu certo. Morei em casa de estudante, o que foi uma das grandes experiências da minha vida. Foi ali que aprendi mais a conviver com a diversidade, a entender os diferentes pontos de vista.

Éramos organizados em comissões e tínhamos assembleias gerais regulares de moradores. Para minha surpresa, pois era – e ainda sou – uma pessoa retraída, logo fui escolhida para coordenar a Comissão de Avaliação, que analisava o perfil dos candidatos a morarem na casa. Depois, fui eleita vice-presidente. Fiz boas amizades naquela época, que duram até hoje.

Cerca de um ano depois de me formar surgiu um concurso para a carreira de técnico-científico do Estado, hoje analista de projetos e políticas públicas (APPP). Esse pode ter sido o primeiro concurso para essas carreiras transversais. Consegui ser aprovada para o cargo de tradutor-intérprete de inglês. Comecei a trabalhar em 1992, na então Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Social, no governo Collares. Não foi fácil esse começo, pois o pessoal não sabia muito bem o que fazer com alguém formada em Letras. Mas eu tinha também um diferencial: sabia usar computador! Naquela época éramos poucos e poucos também os computadores disponíveis no trabalho: a gente fazia revezamento e eu ajudava os colegas a usarem as máquinas. Logo comecei a trabalhar com revisão de textos e fui aprendendo muito com o material que chegava às minhas mãos.

Em seguida essa Secretaria, no governo Britto, se transformou na Secretaria de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais (SEDAI), e aí fui para o Departamento de Assuntos Internacionais. Aprendi muito nessa área. De tradução, não fazia muito. Mas o conhecimento de língua abria muitas possibilidades. A primeira área em que trabalhei foi a de relações consulares e diplomáticas, preparando missões oficiais de cônsules e embaixadores e participando como intérprete em reuniões. Algumas coisas engraçadas: um embaixador fez sua apresentação em inglês para o vice do Governador Britto, Vicente Bogo, e eu prontamente fiz minha interpretação – detalhe: falei em inglês. Só parei quando o ajudante de ordens me avisou: “Dona Carmen, a senhora deveria estar falando português agora”. Outra vez, com o Prefeito Tarso Genro e o embaixador talvez do Paquistão:  ele fez sua apresentação, que eu já estava ouvindo possivelmente pela quarta vez naquela missão, e eu, em minha interpretação, falei bem mais do que ele havia dito. Quando terminei, o embaixador me disse: “Please, go ahead. You know everything I’m going to say”.  Também passei por coisas ruins, quando um homem da Secretaria, que falava muito bem inglês, deu a entender a um embaixador que eu poderia ser mais do que uma intérprete. Ainda bem que ele logo entendeu que não.

Outra coisa que fiz de 1993 a 1999 foi dar aulas de inglês. Eu trabalhava 30 horas na SEDAI e dava mais umas 20 horas de aulas de inglês no Instituto Cultural Brasileiro Norte-Americano. (E vocês sabem que 20 horas de aula são bem mais do que isso, né? Era jovem…) Sei que dei aulas para pessoas que depois se tornaram meus colegas aqui na Secretaria, mas agora não consigo mais afirmar quem. As memórias se misturaram.

(Pausa para um recorte pessoal: em 1998 passei seis meses na Austrália, algo que era bom para mim como tradutora no Estado e como professora no ICBNA. Minha idéia inicial era ir para o Reino Unido, mas acabei escolhendo a Austrália por um motivo especial: era de lá um carinha que eu nunca tinha visto, mas com quem trocava emails quase todo dia, quando as pessoas mal usavam emails. Ele é o Ian, meu marido.)

Voltando ao trabalho na SEDAI, acho que o que mais gostei foi o de ajudar a estruturar o programa de participação de micro e pequenas empresas em grandes feiras no país e no exterior, durante o governo Olívio Dutra. O trabalho envolvia desde a sensibilização e seleção de empresas até a contratação de estande e serviços na feira em si. Conheci principalmente os setores calçadista, de alimentação, plásticos e máquinas, e participei de grandes feiras em São Paulo, na Alemanha e na Itália. Uma colega APOG que trabalhou comigo nessa época, também tradutora, é a Márcia Lang, que se aposentou há pouco, junto com a Rosane Lucas, agente administrativo auxiliar e hoje colega aqui no DECAP. (Éramos uma bela equipe, né, Márcia?)

Outra área em que trabalhei e que gostei muito foi a de cooperação técnica internacional, envolvendo a relação com estados-irmãos do Rio Grande do Sul. Interagia principalmente com Shiga, província-irmã do RS no Japão, com Hubei (aquela onde primeiro detectaram a Covid-19), na China, e com Manitoba, no Canadá.

Nessa época também decidi fazer mestrado em Relações Internacionais, na UFRGS, um marco na minha vida. Trabalhei um tema com um certo ineditismo na época, que eram as relações internacionais de estados subnacionais – a paradiplomacia. Foi muito importante para mim, pois foi ali que aprendi mais não só sobre história, política, direito e economia, mas também a não ter tanto receio de me expressar em público.

Depois do mestrado, uma das áreas em que eu queria trabalhar no Estado era a de operações de crédito com bancos multilaterais, como BIRD e BID. Mas isso era competência do Planejamento, e relotações sempre são difíceis. Quando surgiu o concurso para técnico em planejamento (TP, o nome anterior dos APOG), lá fui eu estudar o que era PPA, LDO, LOA… Sério, isso era algo que eu nem me ligava lá na SEDAI. Nosso trabalho era bem finalístico, não envolvia conhecer esses instrumentos. (Aí vai uma dica de quem já foi da ponta: capacitar os servidores dos órgãos finalísticos em instrumentos de políticas públicas pode dar resultados muito bons, especialmente em como pensar e avaliar políticas e projetos.)

Por sorte, quando me chamaram para a então Secretaria de Coordenação e Planejamento (SCP), lá em 2006, disseram para selecionar os departamentos em que queríamos trabalhar. Eu pedi direto o então Departamento de Projetos Especiais (DPE, hoje DECAP) e me aceitaram. Estou aqui até hoje e bem satisfeita.

Entrar na então SCP foi marcante para mim. O trabalho numa Secretaria finalística como era a SEDAI era bom, mas sentia que não havia muita discussão sobre políticas públicas, ao menos não que envolvesse as funções que eu desenvolvia. Muitas vezes, ficávamos em ações mais operacionais. Muito bem feitas, por sinal, pois a equipe da SEDAI naquela época era 10. Só que eu não tinha muito a idéia do que o nosso trabalho impactava na sociedade.

Na SCP a coisa era outra. Tinha um pessoal bem antenado, que promovia discussões sobre melhorias em políticas públicas, que pensava em método e em como ter melhores entregas para a sociedade. Lembro bastante do saudoso APOG Rogério Fialho, um colega muito envolvido que puxava a nossa turma para discussões aprofundadas.

No DPE, logo de início minha tarefa, junto com a também APOG iniciante Daiane Allegretti, foi estudar cartas-consultas de operações de crédito. Isso mesmo, sentar e ler as cartas para entender do que se tratava. Também ajudamos a finalizar uma carta-consulta que estava indo para a Comissão de Financiamentos Externos, da União, no final do governo Rigotto – principalmente na parte operacional de montar 11 ou 12 vias xerocadas, que era o que precisava enviar para Brasília naquela época.

Em seguida, no governo Yeda Crusius, começamos a trabalhar com parcerias público-privadas. Por conta de restrição fiscal, o RS não podia tomar novas operações de crédito, somente excepcionalizadas pela União, aí quem acabou fazendo foi a SEFAZ. (Detalhe: o diretor do DPE quando entrei na SCP era da SEFAZ e, ao voltar para lá, deu seguimento a uma operação iniciada aqui. Não sei se foi decisão de governo ou se foi coisa de servidor que domina um tema e leva consigo para onde vai.) Bom, mas o fato é que o Departamento se focou em preparação de projetos para PPP. Trabalhei e aprendi um tanto. Os projetos eram da ERS-010, o complexo prisional de Canoas, de saneamento, o do CAFF… Os APOGs Napoleão Zettermann e Rafael Ramos começaram a tratar desse tema nessa época e aprenderam muito mais desde então. Foi aí que comecei a interagir mais com outros órgãos, pessoal da CAGE, da SEFAZ, da CC, da PGE, da CELIC e dos órgãos que executariam as PPP. Foi um período bem produtivo, só que nenhuma PPP chegou a ser firmada.

Também trabalhei em outros temas que seguiam no Departamento. Tratar de convênios com a União era uma coisa que surgia às vezes, então a gente tentava sempre ajudar os órgãos a destravar gargalos de execução. Outra coisa era participar na preparação de propostas a serem encaminhadas ao Orçamento Geral da União, trabalho liderado pelo colega APPP Gerson Doyll. O trabalho com BID e BIRD se reduzia a tentar obter doações e, para isso, a Daiane e eu ajudamos órgãos a preparar acho que umas 15 propostas para diferentes áreas, sempre atendendo as regras do financiador, que é base para projetos de captação. Nesse período, me tornei chefe de divisão.

(Nova pausa para tema pessoal: em novembro de 2008 me tornei mãe literalmente de uma sexta-feira para uma segunda-feira. Entrou na minha vida meu amado filho Bill.)

Em seguida, no governo Tarso Genro, como a relação entre a receita corrente líquida e a dívida pública dava alguma possibilidade para tomar financiamentos, azeitada pelo alinhamento entre os governos nacional e estadual, trabalhei na preparação e execução de duas grandes operações de crédito, sob a direção da colega APOG Margareth Vasata. Passei a ser diretora adjunta do DECAP e, por essa razão, acabei fazendo de tudo um pouco. O Departamento conduziu todo o ciclo dessas operações de crédito, que são diferentes em seu fluxo, pois uma foi externa, com o BIRD, coordenada pela APOG Márcia Lang, e outra interna, com o BNDES, coordenada pela APOG Daiane Allegretti. Isso envolveu trabalho com os Bancos, com a União, com os órgãos executores, com a Secretaria que coordenava os projetos estratégicos, com SOP, CELIC, CAGE, PGE, CC, FEPAM… Foi muito enriquecedor.

O Departamento se focou nessas operações também durante o governo Sartori, sempre apoiando os órgãos para solucionar gargalos de execução, intermediando a relação com os Bancos e coordenando toda a parte de prestação de contas e de relatórios periódicos, muito bem feitos pela APOG Cristine Pretzel e pelo querido Antônio Carlos Streb, alguém que acompanhou o Estado desde a sua primeira operação de crédito, acho que lá no governo Collares.

(Última pausa pessoal: no finalzinho de 2015, de uma semana para a outra, entrou mais um amor na minha vida, a minha filha Camile.)

Não conseguimos preparar novas operações, pois novamente as restrições fiscais impediam, mas apoiamos órgãos a preparem projetos e conseguirem doações do Fundo Social do BNDES e tentamos montar uma operação triangulada com o BRDE e o Banco Europeu de Investimentos (BEI) para captar recursos e promover energia trifásica em locais de produção agrícola familiar, mas não teve andamento. Ao final do governo Sartori, com a aposentadoria da APOG Margareth Vasata, assumi a direção do DECAP.

Em seguida, no governo Eduardo Leite, veio um desafio para o departamento retomar um tema que já tinha tratado de alguma forma nos governos Yeda e Tarso. A titular da Secretaria decidiu unificar o DECAP e o DMC, o Departamento de Monitoramento de Convênios, liderado pela APOG Alba Marquez dos Santos, que havia se aposentado recentemente. Então, retomamos esse trabalho, já muito bem estruturado pela Alba e sua equipe, e seguimos tentando melhorar, especialmente fazendo uso das novas tecnologias hoje disponíveis para gestão e, também, usando a experiência de coordenação das duas operações de crédito, em que sempre tivemos como objetivo principal ajudar os órgãos a preparar bons projetos e destravar gargalos de execução. Esse caminho de melhorias nos processos está sendo construído, sob a coordenação da APOG Daiane Allegretti e da APPP Fernanda Corezola.

As relações internacionais se fortaleceram no DECAP na gestão Leite, com a agregação também do trabalho de cooperação técnica internacional (CTI). Basicamente, uma ação que envolve o compartilhamento de tecnologias e conhecimentos sobre políticas públicas proporcionado pela relação com organismos especialmente do sistema das Nações Unidas, como UNESCO e PNUD. Novamente, estamos tentando imprimir nas ações de CTI o mesmo cuidado que se tem com operações de crédito e instrumentos de repasse federal, ou seja, trabalhar todo o ciclo de execução do instrumento, com foco em preparar bons projetos e auxiliar os órgãos para a melhor execução. Os colegas analistas pesquisadores em relações internacionais Bruno Jubran e Ricardo Leães são os especialistas na área.

Minha história de trabalho aqui na SPGG acaba misturada com a história do DECAP. Acho que pela minha formação em Letras e em Relações Internacionais, acabei envolvida em vários trabalhos no Departamento. Isso é uma das coisas ricas em ser APOG: conseguimos agregar diversos conhecimentos e experiências por nossa carreira não exigir formação específica. Como trabalhamos com políticas públicas, é muito bom termos sociólogos, economistas, estatísticos, filósofos, tradutores, advogados, internacionalistas, engenheiros, contadores, relações públicas e o que mais somos.

Se eu tivesse que escolher o trabalho que mais gostei de fazer em meus já mais de 31 anos de Estado, diria que foi trabalhar na operação com o BIRD, especialmente pelo que a relação com os especialistas do Banco trouxe de melhorias para os projetos. É muito bom ter essa visão de fora quando alguém está pensando uma política, um projeto. Os especialistas externos conhecem diversas experiências e conseguem trazer idéias que a gente nem faz idéia. Por isso, dica final de quem já tem anos de trabalho: é sempre importante ver como outros estão fazendo as mesmas coisas que a gente precisa fazer. Sempre vai ter alguém que descobriu algo interessante, de bom ou de ruim.Por exemplo, um projeto aqui do DECAP de estruturar um Banco de Projetos, liderado pelo APOG Fernando Boklis, absorveu muita aprendizagem da experiência chilena.

Por fim, sou grata pela excelente carreira que tenho no Estado, por todas as oportunidades e todos os trabalhos que pude desenvolver. Também sou grata por todas as pessoas com quem me relaciono diariamente, especialmente aquelas que buscam melhorar o trabalho, que não se acomodam, que conseguem pensar no coletivo e que gostam do que fazem.

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